Para que pensam que o cinema brasileiro só é feito dos temas: pobreza, sertão, ditadura, tráfico, etc. eu gostaria de trazer alguns argumentos e uma breve análise sobre o filme Aos Nossos Filhos, de Maria de Medeiros.
Um dos aspectos que mais me encantam no cinema é seu aspecto antropológico.
Por ex: enquanto que numa Alemanha devastada pela derrota da I Guerra Mundial, surgiram filmes de horror, como um grito de protesto, num Brasil firmado por abusos do coronelismo, também se grita como pode, acrescido ainda do fato de sermos tão analfabetos sobre nossa própria história.
Então, por aqui, talvez o cinema ainda sinta necessidade de repetir de novo, e de novo e de novo, questões incrustadas que precisam ser descoladas desse Brasil, que encarcerado em histórias e memória, segue repetindo sujeiras cheias de preconceitos e de abusos.
Claro que o mercado cinematográfico não pode ser deixado de fora, diretores de cinema e produtores precisam botar na balança: Arte X Mercado, e assim, o cinema se enrosca no próprio rabo, onde fazer filmes com temas recorrentes atende uma expectativa que pode ou não ser alimentada... aí vai do tanto de peito que se tem para defender uma certa dignidade diante da arte.

O filme Aos Nossos Filhos, que é adaptação de uma peça teatral, tem tudo isso: ditadura, recorte social atual, tráfico, pobreza. E talvez por isso, ele seja tão belo.
Prender a atenção só à repetição de conteúdo, é raso demais, porque nunca será SÓ isso... quem está minimamente atento, percebe que outras nuances criam ares distintos entre os filmes, e é esse ar que me interessa.
Abra a lente e veja
Este filme nos apresenta cruzamentos de extremos, como: mãe rebelde X filha careta, filha sem peito X neto com excesso de peitos, mãe em perigo X filha bem abrigada... e a dança bonita está nesses choques de desencontros e de enlaces entre os opostos.
Se você aprisionar o olhar só aos temas: morro do Rio com questões do tráfico, pobreza e ditadura, não poderá desfrutar do que o faz único.
Um casamento com o cinema
Ainda não conheço as obras da Maria de Medeiros como diretora, mas aqui do lado confortável da tela, tenho um palpite: de que Maria seja uma artista comprometida com o preceito de que o cinema pode ser um grito potente. Assim como a atriz Marieta Severo também demonstra acreditar em suas declarações. E esse compromisso me cativa demais!
É um olhar socialista diante do mundo que respinga na arte, que faz uso do mercado e de suas expectativas comuns, mas que não fica só nisso, e que transcende com a beleza dos opostos que se tocam, das personagens que transbordam vida, das atrizes e atores que se fundem com suas personagens.
Isso sim, é um cinema brasileiro, que vale provar. ♥
Post por Lina Molina:

Co-fundadora do ashram cultural Ave Venus, provocadora da vivência PsicoDetox e Rodas de Mulheres, cozinheira e organizadora dos Retiros, também leciona Direção de Arte para cursos de Cinema de Animação.
Porque analisamos filmes no ashram?
Por muito tempo, nós provocamos rodas de debates de filmes, levantando pontos referentes à arte e ao autoconhecimento, o que tem tudo a ver não só com Juliano e Lina, mas com o próprio ashram cultural, que envolve estes dois campos em todas as suas vivências. Aguardem! Em breve, retornaremos com as rodas de cinema.
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